Wagner odiava piscar os olhos. Quando criança, leu em uma revista que, se vivesse até os setenta anos de idade, perderia quase um mês inteiro da vida só com todas as piscadas que daria. Estaria acordado, mas de olhos fechados, sem perceber nada. Por que então as pessoas piscavam tanto? Por que simplesmente não paravam de piscar? Wagner era, de fato, extremamente perceptivo. Por conta dessa agonia, tinha os olhos ressecados em um tom vermelho, de tanto que se forçara a vida inteira a piscar o mínimo possível.
Voltava para casa em um sedan quadrado e velho, de para-choques enferrujados. O cinto tinha uma pequena folga, a mala batia quando passava por algum buraco, o freio assobiava estridente quando pisado e a terceira marcha rangia insistentemente. Wagner conhecia e reconhecia todos os barulhos que seu veículo fazia no caminho de volta, saberia dizer até mesmo em que trecho do trajeto cada som ocorria. O carro cantava sempre a mesma canção, que Wagner conhecia de cor: folga, batida, assobio, ranger! Batida, folga, folga, ranger, assobio! Folga, ranger, assobio, pancada, batida! Assobio, ranger…
“Pancada?”, Wagner pensou. Será que eu ouvi errado? Era muito perceptivo, saberia caso houvesse algo que causasse som de pancada. Afinal, para ele, pancada era diferente de batida. Agora, piscava ainda menos que o habitual, olhos e ouvidos atentos. Não escutou mais pancada, apenas o de sempre. “Pode ter sido uma pedra que eu não vi”, ponderou, finalmente, enquanto manobrava à direita para sua garagem. Entrou em casa ainda contrariado, mas não importava mais. Wagner, apesar de paranoico, era um sujeito tranquilo, que não deixava surpresas como essa o tirar do sério. Com o carro para dentro, trancou a porta da garagem e entrou pela sala.
Dentro da casa vazia, deixava sempre a televisão ligada. Tinha receio de que algum possível invasor notasse os longos períodos que o imóvel ficava sem ninguém. O âncora do jornal falava em casos de desaparecimento, shopping centers e grupos de investigação. Wagner adorava a televisão: não prestava atenção ao que era dito, mas a luz o fazia piscar menos. Odiava piscar, como odiava! E se alguma coisa acontecesse enquanto ele estava de olhos fechados, indefeso? Por que as pessoas piscavam tanto?!
O noticiário da televisão já falava sobre o futebol quando Wagner ouviu o barulho conhecido do bater da mala do carro. Levou um instante até que ele percebesse que isso não fazia sentido. Foi até o banheiro, pegou uma lâmina de barbear descartável e se voltou para o corredor que dava até a garagem. Não fazia sentido…
Assim que abriu o porta-malas, sua vítima começou a se debater. Mesmo amarrada e amordaçada, fazia barulhos no mínimo incômodos para ele. Não fazia sentido! Wagner se lembrava muito bem de ter ensopado o pano em clorofórmio, ele não deveria ter acordado tão cedo. Pelo menos agora ele sabia que não era tão paranoico assim, a pancada realmente era um barulho novo. Esse pensamento o aliviou um pouco, compensando a frustração do imprevisto. Não era assim que ele gostava de fazer as coisas, mas agora isso não importava mais.
– Você não precisa mais sofrer… — Wagner puxou o crachá do peito da vítima para ler seu nome — …Victor. Eu te disse, lembra? Eu fui até você e disse que você estava piscando demais! Que estava perdendo dias e dias de vida! Por que você não me ouviu, Victor? Por que vocês insistem em piscar tanto?
Victor, ainda vestindo o uniforme do supermercado onde trabalhava, não podia responder. Por baixo da mordaça, xingamentos e gritos de socorro se perdiam em sons impossíveis de identificar. Wagner não se importava com esses sons. Assim como o carro, as vítimas cantavam sempre a mesma canção.
– Isso que eu estou aplicando em você não é um anestésico. Trata-se de um bloqueador neuromuscular — Wagner falava calmamente, com a cadência de um professor, enquanto injetava a substância na base do pescoço da vítima. –, a succinilcolina. Você não conseguirá se mover, mas sentirá absolutamente tudo, porque eu jamais furtaria você da sua libertação.
Dentro de alguns segundos, os repuxos, xingamentos e gritos abafados cessaram. A vítima agora estava completamente estática, nem mesmo o movimento de sua respiração era facilmente percebido. Contudo, permanecia acordada, de olhos entreabertos. Wagner então tirou do bolso a lâmina de barbear que havia trazido do banheiro e, com a delicadeza de um artesão, puxou os cílios da vítima até que pudesse cortar totalmente as suas duas pálpebras. Com as pálpebras ensanguentadas em uma das mãos, contemplou o corpo estático no porta-malas. A toxina impedia o corpo de se mover, mas agora era perceptível algum esforço na respiração. Por baixo de todo o sangue que cobria o rosto, Wagner também percebeu que escorriam lágrimas. Ele sabia que eram de alegria e alívio, então suspirou com leveza.
– Não precisa me agradecer, Victor. Para mim, não há maior satisfação do que saber que, de uma vez por todas, abri seus olhos.
Fechou o porta-malas e foi dormir, também de olhos bem abertos.