— Ar?
— Sim, ar. Um fôlego, sei lá.
— Mas você mesmo disse que estava tudo certo…
— Eu sei, doutora. E é justamente isso, como se as coisas estarem bem causasse uma necessidade de EU estar bem. Você me entende?
— Sim, claro. Você se sente pressionado por algo?
— Não… Quer dizer, um pouco. Meus amigos, minha família, meu namorado, todo mundo! Todo mundo me conhece assim, feliz e bem, fazendo tudo certo, conseguindo tudo que eu preciso quando é preciso conseguir. Todo mundo me apoia e eu, sei lá… eu tenho medo.
— Medo do quê, Ulisses?
— De não conseguir e deixar eles na mão. Eu sinto que enganei eles ao longo do tempo. Não sou tudo o que acham que eu sou, doutora. Eu não vou conseguir…
— Calma, tudo bem, chorar faz bem. Pega ali o lencinho.
— Obrigado.
— Bem, Lacan dizia que, mesmo sabendo o que disse, você nunca vai saber o que o outro escutou. Não é sua responsabilidade ser o salvador da humanidade, mesmo que todo mundo acredite nisso, e eu não acho que acreditam. Você está bem, tem pessoas que ama ao seu redor e que torcem por você, mas não é saudável permitir que isso sufoque seus sentimentos. Você não é perfeito, ninguém é. Precisa se cobrar menos.
— Eu sei, doutora, eu sei! É que até hoje tudo o que eu tive foi uma maré de sorte e coincidências. Eu não sou bom e eu durmo toda noite sentindo que vão me desmascarar no dia seguinte.
— Entendo.
— Entende mesmo? Ou é só uma vírgula sonora que os psicólogos usam pra dizer que não se importam?!
— Ulisses…
— Ninguém nem sabe que eu tô aqui, doutora. A simples ideia de ter algo errado comigo, de eu não estar bem, seria o fim do mundo!! Você precisa fazer mais que isso!
— Ulisses, eu não posso curar você. Não é meu papel como profissional remar o barco por você. Seria perigoso, pra não dizer antiético.
— Eu sei, é que…
— Eu sopro os ventos, você se guia. Já passa da primeira hora da nossa consulta e esse foi o primeiro momento em que você se abriu e me disse realmente o que sentia. É sempre assim?
— Não sei, eu… Sim, acho que sim.
— Você não precisa saber o que eu sei, o que eu acho. Não precisa dizer o que eu quero ouvir, porque isso você não sabe. A ideia de não saber te assusta?
— É… um pouco, sim.
— Pois eu peço que tenha paciência e se acostume. É nosso primeiro dia, o mar não vai se abrir pra você no primeiro dia. Se tanto, vai é fechar, mas isso é bom. A gente precisa se conhecer.
— A gente?
— Sim, a gente. Um ao outro e a si mesmos.
— A senhora também?
— Sim, por quê não? Eu me importo, Ulisses.
— Eu sei, me desculpe.
— Agora, por favor, sente-se. Ainda temos muito a navegar.